quarta-feira, novembro 17

"A Chegada
de Max Lucado
O barulho e o movimento começaram mais cedo do que de costume na cidade. Quando a noite deu lugar à madrugada, já havia gente nas ruas. Os vendedores se colocavam nas esquinas das avenidas mais trafegadas. Os lojistas abriam as portas de suas lojas. As crianças acordavam com o latido alvoroçado dos cães vadios e das queixas dos jumentos que puxavam as carroças.

O dono da hospedaria levantara mais cedo do que a maioria dos habitantes da cidade. Afinal de contas, a hospedaria estava cheia, com todas as camas ocupadas. Todo tapete ou esteira disponível tinha sido usado. Logo todos os fregueses começariam a levantar e haveria muito trabalho a fazer.

Nossa imaginação se inflama pensando na conversa do estalajadeiro com sua família à mesa do café. Alguém mencionou a chegada do casal jovem na noite anterior? Alguém cuidou deles? Alguém comentou a gravidez da moça no jumento? Talvez. Talvez alguém falou no assunto. Mas, na melhor das hipóteses, ele foi levantado e não discutido. Não havia tanta novidade assim sobre eles. Tratava-se possivelmente de uma das várias famílias que não pudera ser recebida naquela noite.

Além disso, quem tinha tempo para falar sobre eles quando havia tanta excitação no ar? César Augusto fez um favor à economia de Belém quando decretou que houvesse um recenseamento. Quem podia lembrar-se de uma época em que se fizesse tanto comércio na cidade?

Não, é duvidoso que alguém tivesse mencionado a chegada do casal ou atentasse na condição da moça. Todos estavam ocupados demais. O dia já raiara. O pão diário precisava ser feito. As tarefas da manhã tinham de ser feitas. Havia tanto para fazer que ninguém tinha tempo para ficar imaginando que o impossível acontecera.

Deus entrara no mundo como um bebê.

Mas se alguém entrasse no curral de ovelhas na periferia de Belém naquela manhã, que cena peculiar contemplaria.

O estábulo cheira como todos fazem. O mau cheiro provocado pela urina, excremento e ovelhas paira forte no ar. O chão é duro, o feno escasso. Teias de aranha pendem do teto e um ratinho atravessa correndo o chão sujo.

Não podia haver um lugar menos adequado a um nascimento.

De um lado se encontra um grupo de pastores. Eles estão sentados silenciosamente no solo, talvez perplexos, talvez reverentes, mas sem dúvida extasiados. Sua vigília noturna fora interrompida por uma explosão de luz dos céus e uma sinfonia de anjos. Deus vai até aqueles que têm tempo para ouvi-lo — e assim, naquela noite sem nuvens, ele fora até os simples pastores.

Junto à jovem mãe se assenta o pai cansado. Se alguém está cochilando, esse é ele. Não consegue lembrar-se da última vez em que pôde sentar-se. E agora que a excitação diminuiu um pouco, agora que Maria e o bebê estão confortáveis, ele se apóia na parede do estábulo e sente seus olhos se fecharem. Ele ainda não entendeu tudo. O mistério do evento o intriga. Mas não tem no momento energia para lutar com as perguntas. O importante é que a criança está bem e Maria a salvo. A medida que o sono vem, ele lembra do nome que o anjo lhe dissera para usar... Jesus. "Nós o chamaremos Jesus."

Maria está bem desperta. Como parece jovem! Sua cabeça repousa sobre o couro macio da sela de José. A dorfoi embora como por encanto. Ela olha para o rostinho da criança. Seu filho. Seu Senhor. Sua Majestade. Neste ponto da história, o ser humano que melhor compreende quem é Deus e o que ele está fazendo é uma adolescente num estábulo mal cheiroso. Ela não pode tirar os olhos dele. De alguma forma Maria sabe que está carregando Deus nos braços. Esse é então ele. Ela lembra as palavras do anjo. "O seu reinado não terá fim."

Ele parece qualquer coisa menos um rei. Seu rosto é avermelhado, lembrando uma ameixa seca. Seu choro, embora forte e saudável, continua sendo ainda o de um bebê indefeso, lancinante e agudo. Ele depende absolutamente de Maria para seu bem-estar.

Majestade em meio ao mundanismo. Santidade misturada à imundície do excremento e suor das ovelhas. A divindade entrando no mundo no chão de um estábulo, através do útero de uma adolescente e na presença de um carpinteiro.

Ela toca a face do Deus-menino. Como foi longa a sua jornada!

Esta criança superara o universo. Os trapos que o aquecem eram os mantos da eternidade. A sala dourada de seu trono fora esquecida em favor de um curral de ovelhas imundo. E os anjos adoradores foram substituídos por pastores bondosos mas perplexos.

Enquanto isso a cidade fervilha. Os mercadores não sabem que Deus visitou o seu planeta. O estalajadeiro jamais creria que enviara Deus para o frio lá fora. E o povo zombaria de quem quer que dissesse que o Messias jaz nos braços de uma jovenzinha na periferia de sua cidade. Eles estavam todos ocupados demais para sequer considerar essa possibilidade.
Os que não assistiram à chegada de Sua Majestade naquela noite, não perderam a oportunidade por causa de atos perversos ou malícia; de modo algum, eles a perderam simplesmente porque não estavam olhando.

Pouco mudou nesses últimos dois mil anos, não é?


Você é especial ( Max Lucado)


Era uma vez, um povo chamado xulingo. Os xulingos eram pequenos seres, feitos de madeira. Toda essa gente de madeira tinha sido feita por um carpinteiro chamado Eli. A oficina onde ele trabalhava ficava no alto de um morro, de onde se avistava a aldeia dos xulingos.
Cada xilungo era diferente dos outros. Uns tinham narizes bem grandes, outros tinham olhos enormes. Alguns eram altos, e outros bem baixinhos. Uns usavam chapéus, outros usavam casacos. Todos eles, porém, tinham sido feitos pelo mesmo carpinteiro e moravam na mesma aldeia.
E o dia inteiro, todos os dias, os xulingos só faziam uma coisa: colocavam adesivos uns nos outros. Cada xulingo tinha uma caixinha com adesivos dourados, em forma de estrela, e uma caixinha com adesivos cinzentos, em forma de bola. Em toda aldeia, indo e vindo pelas ruas, os xulingos passavam dia após dia colando estrelas e bolas uns nos outros.
Os mais bonitos, feitos de madeira lisa e tinta brilhante, sempre ganhavam. Mas, se a madeira era áspera ou se a tinta descascava, os xulingos colocavam bolas cinzentas.
Os xulingos que tinham algum talento também ganhavam estrelas.
Alguns xulingos, porém, não sabiam fazer muita coisa. Esses ganhavam bolinhas cinzentas.
Marcelino era um desses. Ele tentava pular bem alto como os outros, mas sempre caia. E, quando caia, os outros xulingos se juntavam à volta dele e lhe davam bolinhas cinzentas.


Às vezes, quando caía, sua madeira ficava arranhada, e, assim, os outros colavam mais bolinhas cinzentas nele.
Aí, quando ele tentava explicar porque tinha caído, dizia alguma coisa do jeito errado, e os xulingos colocavam mais bolinhas cinzentas nele.
Depois de algum tempo, Marcinelo tinha tantas bolinhas que nem queria sair de casa. Tinha medo de fazer alguma bobagem, porque os xulingos iriam colar nele mais uma bolinha .
- Ele merece ficar coberto de bolinhas cinzentas – as pessoas de madeira diziam umas às outras. – Ele não é um bom xulingo.
Depois de algum tempo, Marcinelo começou a acreditar neles. E vivia dizendo:
- Eu não sou um bom xulingo.

Certo dia, Marcinelo encontrou uma xulinga diferente de todas que ele conhecia. Ela não tinha nem estrelas nem bolinhas. Só madeira.

O nome dela era Lúcia.
E não era porque outros xulingos não tentassem colar adesivos em Lúcia. É que os adesivos não ficavam.
É assim que eu quero ser, pensou Marcinelo. Não quero ficar com as marcas de outras pessoas.
Então, ele perguntou à xulinga que não tinha adesivos como é que ela conseguia ficar assim.
- É fácil – respondeu Lúcia – todo dia, vou visitar Eli.
- Eli?
-Sim, Eli, o carpinteiro. Fico lá na oficina com ele.
- Por quê?
- Por que você não descobre por si mesmo? Suba o morro. Ele está lá em cima. E, dizendo isso, a xulinga que não tinha adesivos virou e foi embora, saltitando.
- Mas será que ele vai querer me ver? – gritou Marcinelo. Lúcia não ouviu.
Assim Marcinelo foi para casa. sentou-se junto à janela e observou toda aquela gente de madeira andando de um lado para outro, colando estrelas e bolinhas uns nos outros.

- Isso não é certo. – disse ele baixinho para si mesmo.
E decidiu ir ver Eli.
Marcinelo subiu pelo caminho estreito até o alto do morro e entrou na enorme oficina. Seus olhos de madeira se arregalaram com o tamanho das coisas. Ele engoliu em seco.
- Eu não fico aqui não! – e virou-se para ir embora.
Foi então que ouviu alguém dizer seu nome.
- Marcinelo? – a voz era profunda e forte.
Marcinelo parou.
- Marcinelo! Que alegria ver você. Chegue mais! Quero ver você bem de perto.
Marcinelo virou bem devagar e olhou para o enorme carpinteiro.
- Você sabe o meu nome? – perguntou o pequeno xulingo.
- É claro que sei. Fui eu que fiz você.
Eli se curvou, levantou Marcinelo e o colocou sentado no banco.
- Huummm! – disse pensativo o carpinteiro, olhando para todas aquelas bolinhas cinzentas. – Parece que você recebeu muitos adesivos ruins.
- Eu não queria que isso acontecesse, Eli, eu me esforcei para ganhar estrelas.
- Você não precisa se defender comigo, amiguinho. Eu não me importo com o que os outros xulingos pensam.
- Não?
- Não, e você também não precisa se importar. Quem são eles para dar estrelas ou bolinhas? São apenas xulingos como você. O que eles pensam, não importa, Marcinelo. A única coisa que importa é o que eu penso. E eu penso que você é muito especial.
Marcinelo deu uma risada.
- Eu, especial? Por que? Não sei correr. Não consigo pular. Minha tinta está descascando. Por que eu seria importante para você?
Eli olhou para Marcinelo, colocou suas mãos enormes naqueles pequenos ombros de madeira, e disse bem devagarinho:
- Porque você é meu. Por isso, você é importante para mim. 

Nunca ninguém havia olhado assim para Marcinelo – Muito menos o seu Criador. Ele nem sabia o que dizer.
- Todo dia, tenho esperado a sua visita – explicou Eli. – Eu vim porque encontrei alguém que não tinha marcas. – Disse Marcinelo.
- Eu sei. Ela me falou sobre você.
- Por que os adesivos não colam nela?
O criador dos xulingos falou bem mansinho:
- Porque ela decidiu que o que eu penso é mais importante do que o que eles pensam. Os adesivos só colam se você deixar que colem.
- O quê?
- Os adesivos só colam se eles forem importantes para você. Quanto mais você confiar no meu amor, menos vai se importar com os adesivos dos xulingos.
- Acho que não estou entendendo.
Eli sorriu e disse:
- Você vai entender, mas levará tempo. Você tem muitos adesivos. Por enquanto, basta vir me visitar todo dia, e eu lhe direi como você é importante para mim.
- Eli ergueu Marcinelo do banco e o colocou no chão.
- Lembre-se – disse Eli quando o xulingo saía pela porta, - Você é especial porque eu o fiz. E eu não cometo erros.
Marcinelo nem parou, mas lá no fundo de seu coração pensou: acho que ele realmente se importa comigo.
E, quando ele pensou assim, uma bolinha cinzenta caiu ao chão.
FIM.